Qualidade de vida no trabalho: o quanto sua empresa a valoriza?
Nara Maria Müller[i]
Resenha do livro: Trabalho e Qualidade de Vida, de Edina de Paula Bomsucesso. Rio de Janeiro. Qualitymark, 1998.
A autora é Psicóloga e Mestre em Administração de Empresas pela UFMG. Em 1989, fundou a ERGON – Desenvolvimento de Pessoas e Organizações, atuando nesta empresa, até a presente data, como consultora e diretora. Além desse livro, Edina também é autora de outras quatro obras.
Trata-se de uma obra publicada, inicialmente, em 1998, mas que nos faz refletir sobre o quanto ainda é aplicável ao mundo corporativo atual.
Inicialmente a autora discorre sobre o significado da palavra trabalho que tem sua origem no latim: tripalium, instrumento de tortura utilizado para punir criminosos, que perdiam a liberdade devendo exercer trabalhos forçados. Da mesma forma, as regiliões atribuíam ao trabalho uma conotação punitiva, tendo como exemplo clássico a história de Adão e Eva. Inicialmente, a religião, principalmente a Católica, via o enriquecimento material como pecado. Mais tarde, entretanto, revoltados com a intransigência do catolicismo, Calvino e Lutero definiram que as pessoas poderiam tornar-se ricas através do trabalho desde que fizessem uso ético de suas riquezas. Desta forma o trabalho passou a ser visto de forma a oferecer oportunidades de satisfação não apenas das necessidades básicas como também dos anseios e desejos inerentes ao ser humano.
Ainda neste capítulo, a autora comenta o fato das desigualdades de distribuição dos frutos do trabalho, demonstrando que ao lado de casas modernas apresentando alta tecnologia, estão sub-habitações, onde não existem nem mesmo condições básicas de higiene, energia elétrica e alimentação. Os trabalhadores, em geral, ainda são submetidos a extensas jornadas de trabalho, altas ou baixas temperaturas, excesso de ruídos e, até mesmo, a trabalhos escravos. O trabalhador brasileiro em relação aos trabalhadores de países mais desenvolvidos apresenta salários consideravelmente menores e, mesmo assim mostra-se criativo, superando índices internacionais de produtividade. Dentre as razões que podem explicar este fato, estão as condições ambientais do trabalho, o clima organizacional, a satisfação das necessidades de cada indivíduo. As disparidades existentes entre os ambientes de trabalho operário e executivo provoca fortes e diferentes sentimentos e emoções em cada trabalhador.
A escolha precoce da profissão, bem como a influência sofrida pelos jovens através de seus pais e a falta de propostas efetivas que possam auxilia-los de acordo com suas características pessoais e vocacionais pelas escolas de Ensino Médio, pode provocar a insatisfação com o trabalho a ser executado no futuro.
Alguns aspectos do ambiente e do tipo de trabalho executado, podem ser percebidos de maneiras diferentes pelas pessoas, de acordo com suas convicções, objetivos, desejos e ajustamento familiar. Hoje os empresários estão se vendo obrigados a criar mecanismos que propiciem ao trabalhador, viver em harmonia tanto no ambiente de trabalho quanto no lar. Ainda assim, alguns profissionais têm hora de chegar ao trabalho, mas não têm hora de sair, gerando problemas de relacionamento familiar, provocando, muitas vezes, a desunião entre casais e discórdia geral entre pais e filhos. Estes fatos influenciam diretamente na qualidade de vida do trabalhador.
Quanto às expectativas individuais e necessidades organizacionais, a autora explica a importância de conciliá-las de maneira a satisfazer ao máximo as duas partes.
Na sequência, são abordados os efeitos do trabalho sobre a pessoa e suas influências nos resultados da organização. São demonstrados neste capítulo, alguns aspectos que afetam diretamente a qualidade de vida no trabalho, como salários que possam satisfazer as necessidades pessoais e sociais, prazer e orgulho pelo trabalho realizado, vida pessoal satisfatória, auto-estima, oportunidades de lazer, possibilidades de crescimento, entre outros. Os valores culturais da organização influenciam diretamente na qualidade de vida das pessoas nela envolvidas. Algumas características da cultura organizacional como privilégios oferecidos a determinados cargos, ou áreas podem gerar satisfação e motivação àqueles que os recebem e insatisfação naqueles que se sentem discriminados.
Ainda outro fator que influencia na qualidade de vida, segundo Edina, é a estrutura familiar, onde a mulher desempenha cada vez mais papéis no ambiente de trabalho e, consequentemente, se distancia do lar, criando necessidade de uma reestruturação escolar que valorize mais os relacionamentos sociais, a disciplina para estudar, a cooperação e solidariedade. Da mesma forma, as relações interpessoais, onde sentimentos de raiva e medo podem provocar distúrbios no cenário da qualidade de vida no trabalho. Neste ambiente, ainda é comum a prática de adular os superiores, competir com os colegas de forma até a prejudicá-los, se necessário e subir calcado nos seus subordinados. Cabe aos líderes de hoje, cultivar o entendimento entre as pessoas, demonstrando respeito ao ser humano e sua individualidade, ouvindo suas reivindicações e sugestões e dando retorno a estes.
Nesse capítulo, a autora salienta a falta de objetivos pessoais e a incapacidade de priorizar atividades como fatores de diminuição dos níveis de qualidade de vida das pessoas. A falta de objetivos pode ser exemplificada através de pessoas que não conseguem executar tarefas, impedindo que algum projeto se viabilize, sendo necessário a intervenção de líderes que as façam vislumbrar algum futuro na realização de suas atividades. As dificuldades em priorizar demonstradas pela constante queixa de falta de tempo, provocam estresse e eliminam qualquer possibilidade de obtenção de qualidade de vida. Outro aspecto apontado pela autora como causadora de insatisfação é a falta de capacidade de ouvir que muitos líderes possuem. Diagnosticam situações sem levar em consideração as opiniões dos colegas.
A responsabilidade pela promoção da Qualidade de Vida no Trabalho é de todos, do governo, através de leis que regulamente o trabalho, de acordo com o interesse geral; das pessoas que devem mostrar-se abertas a novas tecnologias e processos, demonstrando auto-estima, engajando-se aos objetivos organizacionais; e das empresas através da sua humanização, fazendo com que todos participem dos processos decisórios, e dos resultados.
Num terceiro momento, Edina aborda a Pesquisa de Clima, que faz parte do diagnóstico interno da organização em seu Planejamento Estratégico. O conhecimento de seu potencial humano interno, suas aspirações e sentimentos quanto ao ambiente organizacional é estratégico pois sabe-se que trabalhadores felizes tendem a produzir melhores resultados à organização. Neste aspecto as organizações procuram selecionar pessoas que estejam sintonizadas com os objetivos e cultura das mesmas, o que pode, algumas vezes provocar erros na escolha dos profissionais, que, aparentemente demonstram alta motivação, após admitidos mostram-se frustrados. Ao contrário, alguns candidatos que parecem menos adaptáveis à cultura empresarial, demonstram, na prática alta capacidade de engajamento ao trabalho. A Pesquisa de Clima vem ajudar na resolução desse problema pois apresenta, em seu resultado, o grau de satisfação dos trabalhadores nos diversos setores da empresa, bem como cria possibilidades de reparar possíveis erros na administração dos Recursos Humanos, além de determinar o perfil dos profissionais a serem contratados.
Entretanto, após a pesquisa e análise dos seus resultados é necessário que a alta administração leve em conta os aspectos apontados e tente solucionar as possíveis distorções encontradas em relação ao clima, uma vez que essa pesquisa criou expectativas nos trabalhadores e, caso nenhuma atitude venha a ser tomada, poderá ser gerada uma insatisfação generalizada e comprometedora para a organização.
Entre os fatores críticos apresentados, geralmente, nas pesquisas estão a insatisfação com os salários, havendo uma diferença gritante entre as remunerações dos cargos mais elevados e dos considerados menos qualificados. Outro fator relevante são os benefícios sociais, que nem sempre configuram como importantes para os trabalhadores. Segundo a teoria de motivação de Herzberg, planos de saúde, programas de preparação para aposentadorias, entre outros, não têm força motivadora, embora a ausência dos mesmos pode provocar desmotivações.
Mais adiante, nesta obra a autora apresenta algumas dificuldades que ocorrem quando há mudanças a serem implementadas nas organizações. Essas dificuldades estão ligadas ao grau de incertezas percebido pelos trabalhadores quanto à sua própria estabilidade de emprego, quanto ao sucesso das novas medidas e processos a serem implantados e quanto ao futuro da empresa. Essas dúvidas e temores se devem a algumas variáveis como por exemplo, a adoção de modelos importados sem as devidas adaptações à realidade local, a inabilidade na condução do processo por falta de líderes aptos a exercerem essa atividade e a falta de informações por parte das pessoas envolvidas.
Algumas medidas surgiram para amenizar essa resistência às mudanças organizacionais, como os CCQ, Círculos de Controle de Qualidade, cuja principal característica era a formação de equipes oportunizando o envolvimento de todos os níveis hierárquicos da empresa, quer seja através de apresentação de críticas e sugestões, até a tomada de decisões sobre determinados temas.
Este modelo gerencial, entretanto, como outras ferramentas importadas: o Just in Time, o Kanban, a Reengenharia, que não tendo apresentado o sucesso desejado, foi, por muitos, descartado, demonstrando a falta de persistência e de busca de solução de problemas pelos empresários brasileiros. A própria QT, Qualidade Total foi bastante criticada e vista como inaplicável ao Brasil. O que ocorreu na verdade com relação à QT é que muitos empresários ao tentarem implantá-la, esqueceram que era também necessário mudar a cultura organizacional. Gerentes autoritários continuaram agindo dessa forma, os trabalhadores sofreram pressões para executarem tarefas sem terem sido adequadamente informados e treinados, além de não receberem a recompensa almejada através de aumentos salariais.
Através da leitura do texto constata-se que depende da habilidade dos líderes, os resultados positivos na condução das mudanças. Estes devem adaptar-se em primeiro lugar aos novos paradigmas, procurando manter um relacionamento mais humano e estimulando a participação de todos os trabalhadores.
A autora cita as dificuldades de lidar com erros e críticas através da constatação de que os líderes devem ter habilidades de, usando do poder, apontar aos membros da equipe possíveis desvios nas atividades estabelecidas e executadas, bem como na elaboração de seus projetos. As formas de lidar com erros e críticas são também abordados nesta obra.
A maneira como um erro é apontado, através da busca de culpado por algo que não deu certo é motivo de queda na qualidade de vida do trabalhador acusado e, muitas vezes, de todo um grupo de pessoas. Muitas vezes o erro é decorrente da falta de clareza de informações quanto às regras preestabelecidas. Os gerentes nem sempre dão todos os detalhes necessários para sua equipe, propiciando a ocorrência de erros, e, quando isso acontece, procura-se logo um culpado que será, indubitavelmente, a pessoa que executou a tarefa. A falta de meios humanos de apontar desvios poderá ocasionar descontentamento, tristeza, humilhação, ocorrência de mais erros, culminando com a demissão do trabalhador em questão.
A autora cita também alguns tipos de erros conforme a circunstância de sua ocorrência: o erro acidental que ocorre apesar da real intenção de acertar; o erro essencial decorrente da falta de conhecimento do rumo a ser seguido; o erro destrutivo, ou intencional, demonstrando rebeldia ou displicência; o erro de aprendizagem decorrente da falta de experiência de quem executa algo novo e o erro decorrente de pressão, que acontece quando as pessoas sentem-se pressionadas por diversas razões a executar certas atividades.
Os erros são inerentes ao ser humano e as constantes modernizações têm oportunizado a ocorrência dos mesmos, sendo de vital importância que sejam feitas reflexões a partir destes a fim de melhorar os processos de execução de atividades futuras, devendo tais experiências serem, na medida do possível, compartilhadas com outras pessoas. Entretanto, esse compartilhar os próprios erros nem sempre é tarefa fácil, devendo-se criar climas de confiança, compreensão e respeito mútuos entre as equipes, diminuindo o constrangimento natural de quem tem alguma experiência negativa a relatar.
Da mesma forma que os erros, as críticas também devem ser levadas aos colegas de forma habilidosa, respeitosa e humana, pois, dependendo da maneira como for apresentada poderá gerar desconforto e diminuição na qualidade de vida dos envolvidos na situação.
As críticas podem ser aceitas de maneiras diferentes, dependendo de quem as recebe. Algumas pessoas aceitam críticas e as vêem como oportunidades de crescimento de idéias, ou de demonstração de caminhos a seguir, evitando possíveis erros. Outras percebem as críticas como maneiras de destituir suas idéias, menosprezar suas potencialidades, provocando clima de desmotivação.
A autora apresenta algumas indicações para aprender a lidar com a crítica da forma mais natural possível. Quem recebe uma crítica deve esforçar-se ao máximo e ouvi-la completamente, pedindo sugestões para quem o está contestando. Outra dica é a de ficar atento aos pequenos sinais, questionando os colegas durante os processos, como forma de antecipar-se à crítica.
Segundo Edina, é preciso muita habilidade, cautela e criação de clima positivo para apresentar uma crítica, pois sabe-se que a reação natural de quem é criticado é sentir-se ofendido, humilhado e contrariado, gerando clima tenso. É necessário conscientizar a pessoa de que é preferível expressar-se diretamente do que por meios indiretos, gerando fofocas, demonstrando total falta de respeito a quem a crítica é dirigida.
Finalmente, segundo minha própria opinião, baseada no texto analisado e nas observações reais é de que a valorização do ser humano, propiciando melhor qualidade de vida é uma via de sentido único, sem retornos, uma tendência que reflete a conscientização de que somos os ativos primordiais dentro do contexto empresarial e social. Somente através da melhoria da qualidade de vida das pessoas é que as empresas terão trabalhadores dispostos a colaborar com o atingimento dos seus objetivos, bem como consumidores aptos a obter os produtos e serviços por elas oferecidos. Aqueles gerentes que ainda não estão engajados nesse paradigma poderão estar “fora do grupo”, muito brevemente. É preciso que se reciclem, procurem informações, treinem e se humanizem a fim de continuarem na liderança de pessoas.
[i] Administradora, Mestre em Engenharia da Produção, Coach Executiva e proprietária da Unlock Training – www.unlock.adm.br. Escritora, palestrante e professora em cursos de Pós-Graduação.